Aline Caetano Begossi
Em
um tempo relativamente pequeno, o conceito de criança passou por muitas
transformações. Cortezzi Reis, baseando-se na obra do historiador francês
Phillippe Ariès, descreveu como o olhar sobre a criança vem transformando-se
dentro da sociedade, desde a sociedade medieval, até os dias atuais.
...mas não é da
consciência comum que a criança também atravessa um momento importante no
processo histórico. Trata-se da revolução da condição da criança. Ocorre pensar
se a criança passou por mudanças tão intensas em outros períodos da história e
se foi considerada com a mesma importância que é nos dias atuais. (CORTEZZI REIS, 1995).
Na
sociedade medieval, a criança era vista como uma “coisinha engraçadinha”,
porém, sua passagem pela família se dava de maneira muito breve e
insignificante.
Contudo, um
sentimento superficial da criança - a que chamei "paparicação" era
reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era
uma coisinha engraçadinha. As pessoas se
divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho
impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam
ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois uma outra
criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de
anonimato. (ARIÈS, 1985)
A
morte de uma criança na época era algo sem importância, pois as famílias tinham
muitos filhos. A partir dos 5 ou 7 anos, a criança era como que um adulto em
miniatura, sendo tratada como tal. Era
comum a criança morar em outra casa, com outra família, pois não se dava valor
aos laços afetivos.
Observa-se,
nessa época e até o fim do séc. XVII, o infanticídio tolerado, mesmo tendo sido
um crime severamente punido. Era praticado em segredo e como forma de acidente:
os pais colocavam a criança para dormir em sua cama e, durante a noite, a
criança era asfixiada. Foi então que, a partir do séc. XVIII essa prática foi
proibida terminantemente pelos bispos, aparecendo assim uma consideração pela
vida da criança.
Do século XV ao XVII, o
brinquedo infantil e os jogos adultos mesclavam-se, sendo difícil distinguir um
dos outro.
Pieter Bruegel 1560
Parece, portanto, que
no início do século XVII não existia uma separação tão rigorosa como hoje entre
as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e os jogos
dos adultos... Conhecemos bem suas brincadeiras, pois, a partir do século XV,...
os artistas multiplicaram as representações de criancinhas brincando. Reconhecemos
nessas pinturas o cavalo de pau, o cata-vento, o pássaro preso por um cordão...
e, às vezes, embora mais raramente, bonecas. (Idem e Ibidem.)
Ariès
coloca que esses brinquedos eram reservados as crianças, mas que ao mesmo
tempo, estudos sugeriam que antes de pertencer aos pequenos, havia pertencido
aos adultos, pois haviam nascido da necessidade das crianças de imitar as atitudes
dos adultos,
...reduzindo-as à sua
escala: foi o caso do cavalo de pau, numa época em que o cavalo era o principal
meio de transporte e de tração. Da mesma forma, as pás que giravam na ponta de
uma vareta só podiam ser a imitação feita pelas crianças de uma técnica que, contrariamente
à do cavalo, não era antiga: a técnica dos moinhos de vento, introduzida na
Idade Média. O mesmo reflexo anima nossas crianças de hoje quando elas imitam
um caminhão ou um carro. (Idem e
Ibidem.)
“Papa
vento” Cândido Portinari
Em
1600 as brincadeiras eram feitas por adultos em cultos religiosos, manifestações
coletivas da sociedade. Após um tempo ficaram reservadas às crianças,
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O problema da boneca
e dos brinquedos-miniaturas leva-nos a hipóteses semelhantes. Os historiadores
dos brinquedos e os colecionadores de bonecas e de brinquedos-miniaturas sempre
tiveram muita dificuldade em distinguir a boneca, brinquedo de criança, de
todas as outras imagens e estatuetas que as escavações nos restituem em
quantidades semi-industriais e que quase sempre tinham uma significação
religiosa: objetos de culto doméstico ou funerário, ex- votos dos devotos de
uma peregrinação etc. (Idem e Ibidem).
Ou
seja, não somente as crianças brincavam com bonecas, ou réplicas de brinquedos
dos adultos, pois as bonecas, por exemplo, eram objetos de uso de bruxos e
feiticeiros da época e eram usadas em presépios. Havia o gosto pelos
bibelôs (uma sobrevivência burguesa da
arte popular dos presépios italianos ou das casas alemãs, por exemplo), os
chamados fantoches que divertiram e dominaram Paris inteira, de tal forma que
não se pode ir a nenhuma casa sem encontrar alguns, pendurados nas lareiras, o
teatro de marionetes, uma outra
manifestação da mesma arte popular da ilusão em miniatura. Do século XVI até o
início do XIX, a boneca serviu às mulheres elegantes como manequim de moda.
É possível que exista
uma relação entre a especialização infantil dos brinquedos e a importância da
primeira infância... A infância tornava-se o repositório dos costumes
abandonados pelos adultos. Por volta de 1600, a especialização das brincadeiras
atingia apenas a primeira infância; depois dos três ou quatro anos, ela se
atenuava e desaparecia. A partir dessa idade a criança jogava os mesmos jogos e
participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer misturada
aos adultos. (Idem e Ibidem).
Tanto
as meninas, quanto os meninos brincavam de boneca. Também não havia a discriminação
moderna entre meninas e meninos: ambos os sexos usavam o mesmo traje, o mesmo
vestido.
Somente a partir do séc. XVII é que
a noção de inocência infantil foi imposta, gerando assim, uma regularização com
relação ao que era praticado contra as crianças. Estas foram, então,
comparadas a anjos.
No século XVII, com o início da escola, essa funcionava como enclausuramento, separando as crianças dos adultos, porém, atribuindo maior importância à Educação e despertando a preocupação psicológica e moral. Ao mesmo tempo a família tornou-se um lugar de afeição necessária entre pais e filhos e as crianças saíram do anonimato.
No século XVII, com o início da escola, essa funcionava como enclausuramento, separando as crianças dos adultos, porém, atribuindo maior importância à Educação e despertando a preocupação psicológica e moral. Ao mesmo tempo a família tornou-se um lugar de afeição necessária entre pais e filhos e as crianças saíram do anonimato.
A escola substituiu a
aprendizagem doméstica como meio de educação. Ao iniciar o processo de
escolarização, a criança deixou de crescer naquele sistema, foi separada dos
adultos e entrou num processo de enclausuramento – como os loucos, pobres e
prostitutas. (CORTEZZI REIS, 1995).
Nessa
época, eram comuns os castigos corporais, a delação e vigilância constantes.
Esse autoritarismo e severidade geravam problemas psíquicos nas crianças, numa
tentativa falha de se conquistar a boa educação dos indivíduos. Também surge a
preocupação com a educação moral das crianças e alguns jogos, antes permitidos,
passam a ser considerados inadequados, como os jogos de azar.
A indiferença moral
da maioria e a intolerância de uma elite educadora coexistiram durante muito
tempo. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, estabeleceu-se um compromisso
que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmente
diferente da atitude antiga. Esse compromisso nos interessa aqui porque é
também um testemunho de um novo sentimento da infância: uma preocupação, antes desconhecida,
de preservar sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então
classificados como maus, e recomendando-lhe os jogos então reconhecidos como
bons. (ARIÈS, 1985)
Já
no século XVIII, a Psicopedagogia trouxe grandes contribuições ao desenvolvimento
do corpo e espírito da criança. A preocupação com a higiene e a saúde física
passaram a existir. Surgiu também a figura do médico da família e a mãe passou
a desempenhar papel fundamental na vida da criança, a o ser incentivada a
amamentar, fato que antes era relegado as amas de leite, mas ainda havia um
afrouxamento dos laços afetivos. As relações entre pais e filhos possuíam
lacunas a serem preenchidas. O pai (o patriarca) era dono do poder e saber e,
em segundo plano, colocava o afeto.
Hoje
a criança assume outro papel na sociedade.
A família moderna, ao
contrário, separa-se do mundo e opõe à
sociedade o grupo solitário dos pais e filhos. Toda a energia do grupo
é consumida na promoção das crianças, cada uma em particular, e
sem nenhuma ambição coletiva: as crianças, mais do que a família. (Idem e
Ibidem).
A
família deixou de ter como núcleo pai, mãe e filhos, podendo ser composta por
avós, tios e sobrinhos, somente mãe e filhos, pai e filhos, padrastos,
madrastas... Há uma preocupação muito maior com diversos aspectos da infância.
Nessa nova sociedade o pai perdeu a posição principal dentro da estrutura
familiar e as crianças assumiram esse papel tornando-se indispensáveis à vida
cotidiana. A falta de hierarquia e da autoridade saudável dos pais produz
crianças que não suportam frustrações e são incapazes de pensar ou buscar
soluções criativas para suas dificuldades. A preocupação excessiva com o prazer
das crianças colocou os pais em segundo plano e os adultos passaram a projetar
seus desejos e frustrações em seus filhos.
A vida moderna, os
avanços tecnológicos das últimas décadas, a profissionalização da mulher, o
número reduzido de filhos por família, têm levado a um aumento do
individualismo tanto no adulto, como na criança. Como parte dos valores
modernos, o incentivo à preservação da individualidade, tem conduzido esse
culto ao individualismo, formando crianças mais narcisistas. (CORTEZZI REIS,
1995).
Ao
mesmo tempo, milhares de brinquedos invadem as lojas e as casas das famílias,
com especificidades para todas as idades, com diferentes objetivos pedagógicos,
alguns preocupados com o desenvolvimento infantil, outros nem tanto. A
tecnologia ampliou as possibilidades das crianças com celulares, jogos,
computadores, vídeo games, brinquedos eletrônicos, resultados de uma sociedade
capitalista que promove o consumo exagerado como forma de obtenção de lucro
para as empresas. As crianças são vítimas de propagandas que induzem o tempo
todo ao desejo de ter, transformando esse desejo numa necessidade, que não é
real. Os pais, muitas vezes, querendo satisfazer seus próprios desejo e a falta
de tempo que têm para dedicar as brincadeiras aos seus filhos, compram além do
que deveriam dar aos filhos, ou até mesmo além das suas possibilidades
financeiras.
Atualmente,
muito se discute a importância da afeição e que toda criança precisa de
limites, regras, deveres, mas muitos pais fazem tudo o que seus filhos pedem
ou, com medo de serem autoritários demais (a exemplo de seus próprios pais),
deixam os filhos a bel-prazer. Isso contribui para a formação de jovens
inconseqüentes e despreparados para o exercício da vida futura. Tornam-se
individualistas, indisciplinados, narcisistas e inseguros pelo meio social que
vivenciam. Possuem pouco senso de responsabilidade, recebem poucos valores,
quase não têm deveres, mas muitos direitos, que também não têm sido
respeitados. A violência contra a
criança cresce e inúmeros casos de homicídio, lesões corporais
provocados até pelos próprios pais aparecem em jornais e revistas pelo mundo todo.
Mesmo com a grande quantidade de estatutos e leis que protegem a criança e o
adolescente, temos crianças em situação de risco e vulnerabilidade, privadas de
afeto, educação, saúde e moradia dignas.
As
crianças de hoje são mais valorizadas? São espertas, questionadoras e
constantemente estão passando por transformações. Contudo, ainda sofrem a
violência física e afetiva. Como a própria Cortezzi destaca: “Falta
ainda, uma delicadeza no trato com a criança.”
PS: COMPARTILHO MEU TRABALHO COM OBJETIVO DE TROCARMOS EXPERIÊNCIAS. NÃO USE INDEVIDAMENTE ESSAS ATIVIDADES. CASO USE PARA ALGUM TRABALHO, CITE A FONTE. DESDE JÁ, AGRADEÇO A COMPREENSÃO!
<!--[if !supportLists]-->5- <!--[endif]-->Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, José Robério Sousa. Como colaborar com a inserção dos pequenos
na sociedade. Publicado em 14/08/2008.
Disponível em <http://www.webartigos.com/articles/8650/1/O-Desenvolvimento-Psicossocial-Da-Crianca/pagina1.html>
Acessado em out/ 2010.
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora Flasksman.
LTC- Livros Técnicos e Científicos Editora S.A, 2ª ed. 1981. Disponível
em <http://www.scribd.com/doc/19716181/PHILIPPE-ARIES-Historia-social-da-crianca-e-da-familia>.
Acessado em agost/ 2010.
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